segunda-feira, 10 de agosto de 2009

LEMBRANÇAS DO MEU PAI

LEMBRANÇAS DO MEU PAI
Marcial Salaverry

De meu pai herdei principalmente o espírito aventureiro. Uma vontade enorme de conhecer o desconhecido, de não ter medo de enfrentar a vida e suas dificuldades, de ir à luta com decisão, sem medo de eventuais percalços.

Por causa dessa sua maneira de encarar a vida, nunca tivemos uma situação estável financeiramente falando, mas ele sempre nos soube passar toda sua vasta experiência de vida, dando bons e maus exemplos, ensinando à sua maneira como fugir de certos vícios.

Por exemplo, ele foi um fumante inveterado, mas soube mostrar o lado feio do vício, pois fazia questão de dizer que não conseguia largar o vício, por lhe faltar força de vontade para tanto, dizendo-se um covarde por causa disso, mas que o cigarro lhe havia prejudicado terrivelmente a saúde, debilitando seu coração e seus pulmões. Sempre fazia questão de lamentar que quando jovem ninguém lhe alertara sobre isso. Com esse exemplo diante de nossos olhos, dos seis irmãos, apenas uma foi fumante.

Jogador compulsivo justificava-se dizendo que o vício lhe havia entrado no sangue, e deixava claro que lamentava haver se deixado dominar por esse vírus daninho, e que o jogo era o responsável pela situação instável que sempre vivêramos. Apenas um dos seis irmãos enveredou por esse caminho, mas conseguiu sair fora, antes que fosse tarde demais.

Por causa destes vícios, alguém poderá dizer que não foi um bom pai, mas na verdade, não importa muito quem ele tenha sido, ou o que ele fez... O que importa, na realidade, são as lembranças de momentos gostoso, e dos ensinamentos que ele me deixou.

Mais que um pai, foi um grande amigo. Gostava de reuniões familiares, e tinha o hábito de após o jantar, manter-nos sentados à mesa, para o que ele chamava de mesa redonda, onde trocávamos idéias, e resolvíamos problemas.

Aceitava nossas críticas contra seus vícios, e nos estimulava a lutar contra. Dizia que uma vez começando, era muito difícil sair. E que não deveríamos adquirir nenhum desses vícios. Naquela época os vícios mais falados e praticados, eram os "inocentes" fumo, bebida e jogo. Bons tempos aqueles em que drogas eram exclusividade de uns poucos.

Não gostava que o chamássemos de "senhor", dizendo ser um tratamento muito cerimonioso para pais e filhos, onde deveria imperar a amizade, a confiança e o respeito, mas sem cerimônia. Frizava sempre que amigos dispensavam cerimônias.

São essas as principais lembranças de meu pai. O câncer provocado pelo cigarro o levou quando eu ainda era muito jovem, mas ficou sua lição de vida. Aproveitei bem tudo o que ele ensinou, pois nunca me deixei levar pelo fumo ou pelo jogo, e também procurei criar meus filhos dentro de um clima de amizade e passando-lhes todos os ensinamentos que a vida me deu, sendo para eles, o que meu pai foi para mim, ou seja, acima de tudo, um grande amigo, sempre pronto a escutar os problemas, e dirimindo suas dúvidas existenciais.

E isso penso ser o principal elo que deve existir entre pais e filhos. Uma grande amizade.

Marcial Salaverry
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